As três Bélgicas
Por Ana Laura Visentini
A Bélgica é mesmo uma caixinha de surpresas. Um país tão pequenininho, se comparado ao Brasil, ainda consegue viver em uma divisão de costumes, línguas e regras. Vamos tentar compreender um pouquinho essa distinção sobre as três Bélgicas.
Mapa da Bélgica
Flandres ao Norte e Valônia ao Sul: distintas regiões da Bélgica
Territorialmente, há uma divisão entre a região de Flandres e a região da Valônia.
Flandres compreende a parte norte da Bélgica, onde estão os cidadãos de origem holandesa e a língua oficial é uma derivação do neerlandês, que chamamos carinhosamente de “flamengo”. Na verdade, apenas as pessoas que realmente são dali encontram diferenças entre o neerlandês e o flamengo, porém “sonoramente” as duas línguas faladas na Bélgica são praticamente iguais. Essa região é também a mais rica, há diversas indústrias, em especial, fábricas de automóveis. Apesar de antigamente fazer parte da área mais pobre, nas últimas décadas, ela deu um salto econômico em comparação aos valões e a riqueza é visível também na opulência arquitetônica. Anvers (Antwerpen) é a capital dos flamengos, desde muitos anos os habitantes de Flandres querem transformar essa bela e rica cidade na capital de um hipotético Estado independente, no entanto isso ficou apenas como um forte desejo (ao menos até aqui), visto que Bruxelas segue sendo a capital do país, é muito forte economicamente e também está localizada dentro dessa região. Brugge, Gent e Leuven são outras importantes cidades do Flandres.
Ao sul, encontra-se a Valônia, que compreende a região francófona. Sua língua oficial é o francês. No entanto, lá também existem muitas culturas diferentes, o oposto de Flandres onde a cultura flamenga é predominante. Na Valônia também encontra-se uma pequena região habitada por alemães. A cidade de Namur é a capital oficial dos valões. Infelizmente essa região perdeu poder econômico nos últimos anos, mesmo assim, as cidades mantêm seus costumes e não abrem mão de seus hábitos e cultura. Outras cidades importantes que fazem parte da Valônia são: Charleroi, Liége e Mons, a última é a Capital da Cultura Europeia em 2015.
Um descompasso de ideias
Até aqui tudo bem. Distinguir hábitos e linguagens dentro de um pequeno espaço como o território da Bélgica é algo um tanto peculiar, chega a ser hilário. A impressão que tenho ao visitar cada lugarzinho daqui é que os belgas querem ganhar aliados. É como se houvesse uma disputa simbólica entre os dois “tipos de belgas”, e ganha quem conseguir captar o maior número de pessoas adeptas à uma das duas línguas. Ou seja, se você visitar alguma cidade em Flandres, nem pense em se comunicar em francês. Os flamengos são homogêneos e só falam a língua flamenga, não respondem perguntas feitas em francês e “desconversam” em inglês de forma bem rápida, sem fazer questão de serem entendidos. Isso não quer dizer que eles não sejam educados e gentis, apenas desdenham a língua francesa e você, como um bom entendedor, captará o recado bem ligeirinho.
Já se você fizer visitas à Valônia, perceberá uma certa heterogeneidade de hábitos, contudo, os mais fortes são os hábitos franceses. Ao menos será possível compreendê-los comunicando-se em francês ou em inglês.
Mas e Bruxelas no meio disso tudo?
A distinção entre os valões e os flamengos sempre existiu e como a língua é sua maior arma, ambos tentam manter (e ganhar) suas fronteiras através do ensino local. Por exemplo, Bruxelas é a capital da Bélgica e está localizada um pouco acima do centro, ao norte, por isso pertence regionalmente à região de Flandres. Entretanto, é oficialmente bilíngue, mas a língua mais falada aqui é o francês. Mas como pode ser, se ela faz parte da região dos flamengos?
É simples. A forma de governo na Bélgica é a Monarquia Parlamentarista Constitucional e sua organização é de uma Federação como no Brasil. Apenas aqui, são três Estados, Flandres, Valônia e Bruxelas capital, cada qual com suas próprias leis. Assim temos as administrações: federal, regional e comunal. A lei federal compreende o todo. A lei regional compreende as políticas por regiões, como, por exemplo, moradia, emprego e planejamento urbano. Já a política comunal fará jus à língua, cultura e educação.
Então, a cidade de Bruxelas, como a conhecemos, é na verdade a região de Bruxelas capital e está dividida em 19 comunas. Essas comunas, apesar de oficialmente bilíngues, recebem estrangeiros de diversas partes do mundo.
Tudo isso tornou o francês atualmente mais forte que o flamengo em Bruxelas. Outra consideração a respeito do flamengo, é que o aprendizado é extremamente difícil, ao contrário do francês, que é um pouco mais familiar para nós que falamos o português. Então, muitos processos administrativos em Bruxelas são executados dentro da língua francesa. Contudo, por ser oficialmente bilíngue, na cidade geralmente as instituições dividem-se em duas partes, uma parte francófona e outra parte flamenga, e, geralmente, os procedimentos de uma não condizem com os da outra. Isso ocasiona um enorme número de problemas e reclamações das instituições belgas e de suas questões burocráticas.
Os flamengos fazem tanta questão de levar adiante a “luta por território linguístico” que oferecem cursos gratuitos para todos os cidadãos bruxelloises (nascidos em Bruxelas), bem como para os imigrantes que residem na cidade e que estejam legalmente cadastrados em uma das 19 comunas. Além do mais, empresas estatais também devem respeitar a divisão bilíngue em suas diretorias. O fato de o país ter os dois idiomas afeta também o emprego e as empresas, a maior parte do comércio da capital exige trabalhadores bilíngues, e muitos empregadores preferem os trilíngues (que falam francês, neerlandês e inglês). Afinal, a cidade é a sede da União Europeia e existem pessoas dos quatro cantos do planeta trabalhando e vivendo aqui.
Uma característica engraçada, em relação às placas da cidade, é que geralmente são escritas duplamente, em francês e em flamengo, confundindo os que aqui chegam.
No final tudo segue igual
Entra ano, sai ano e a velha “briga” entre flamengos e valões não encontra fim e nem solução. Melhor nem tentar entender esses “irmãos brigões” da Bélgica. O fato é que, mesmo com tantas questões distintas, ambos são “unânimes” quando se trata dos três principais atrativos do país, os chocolates, as cervejas e as batatas: sem dúvida alguma, os melhores do mundo sempre serão da Bélgica! E “ai” de quem diga o contrário.
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Sobre a autora da matéria
Ana Laura Visentini, uma moça de espírito aventureiro, mudou-se para a Bélgica para vivenciar novas culturas, aprender a língua local e adquirir conhecimentos. É pós-graduada em Moda, Mídia e Inovação e seus destinos preferidos são “aqueles que enchem os olhos”, estimulando sua imaginação e seu intelecto. Para contar suas experiências, criou o blog Alto Baixo Bélgica.
Ana Laura também é autora do texto “A Experiência de uma brasileira na Bélgica“, “Louvain”, “Bruges” e “Bélgica: na mira do terrorismo”
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