Por Cynthia Feliciano
Aviso: Esta matéria relata as impressões pessoais da autora e foi escrita há alguns anos. A Turquia é hoje um país muito mais moderno e muita coisa mudou por lá: câmbio, transportes, serviços etc.
Mapa de Istambul e arredores
Sou brasileira, moro há alguns anos na Suíça e não perco uma oportunidade de sair pelo mundo. Há algum tempo, tendo alguns dias livres, tomei um avião para Istambul, na Turquia. O fato de ter um amigo turco, Umit, permitiu-me conhecer melhor do que a maioria dos viajantes os hábitos e a cultura do país. Aos curiosos, aventureiros e amantes da história, uma visita à Turquia se faz obrigatória. E quando a viagem é interessante como julgo que foi a minha, não posso deixar de dar meu depoimento.
Fiquei encantada com o país! Istambul é muito mais interessante do que Ankara, a capital, não só pela história que envolve a cidade, mas também por sua localização, entre dois continentes.
O que era a antiga Constantinopla fica no lado europeu de Istambul, onde fiquei hospedada. Como meu amigo Umit mora do lado asiático, no bairro de Uskudar, todos os dias eu fiquei nesse vai-e-vem entre continentes.
A primeira impressão que se tem ao chegar à Turquia é a de um país desorganizado e sem infra-estrutura. Pouca gente fala inglês, o que dificulta bastante uma viagem por lá.
Os serviços públicos são bem precários. A única companhia aérea que opera dentro do país é a Turkish Airlines, cujo serviço também é um desastre e, por ser estatal, não se preocupam em melhorar os serviços. Na central de atendimento não há ninguém para atender o telefone. Tentei ligar lá por mais de uma hora em horário comercial e nada.
Viajando de ônibus
Há poucos aeroportos dentro da Turquia, e as pessoas lá viajam mesmo de ônibus. As estradas, julgando pelas que tomei, são horríveis como as que consideramos ruins do Brasil. Pistas estreitas, sem acostamento, pouca sinalização. Utilizei dois ônibus de turismo durante a viagem. Um para ir ao outro extremo do Mar de Mármara, no estreito de Dardanelos e outro para voltar de lá para Istambul. O segundo não foi mal, mas no primeiro… Já estava me sentindo no caminhão do José Wilker no filme Bye Bye Brasil… Sujo, sem ar condicionado, sem janela para abrir, um calor do cão para uma viagem de 3 horas. O problema é que viajar de Bandirma, de onde estava, para Çanakkale, uma cidade no estreito de Dardanelos, não há outra opção a não ser o ônibus. O Dardanelos é o estreito que separa o Mármara do mar Egeu.
Para atravessar o Mármara até Bandirma, uma cidade pequena, sem nenhum atrativo, onde moram os pais do Umit, meu amigo turco, foram 2 horas de barco. À noite aproveitamos para visitar Erdek, um lugarzinho mais bonitinho porque tem mar e um monte de barzinhos na orla da praia. Foi lá que experimentei, por insistência do meu amigo, um vinho tinto considerado o melhor do país. Intragável! Na mesma noite voltamos para Bandirma.
Dormimos na casa dos pais do Umit em Bandirma. Passar aquela noite lá me permitiu saber um pouco mais sobre os costumes locais. A mãe do Umit só fala turco, mas o pai conhece um pouco de alemão – foi nessa língua que nos comunicamos.
Em casa de muçulmano não se entra de sapato, então é claro que tirei meus. O café da manhã é bem diferente do nosso, composto de azeitonas, um molho cujo aspecto lembrou a sardela, sopa, iogurte, pão e café turco…
Tentando dormir
Na volta para Istambul tomamos um ônibus até Çanakkale, na ponta do Dardanelos. Chegamos exaustos e fomos para a casa de um amigo dele chamado Barbaros – um nome comum na Turquia. Depois de uma boa ducha tentei dormir. Mas, mal comecei a cochilar, e fui acordada com anúncio do sacerdote (mulah) na mesquita chamando para rezar. Ao invés de sinos, eles anunciam a hora da prece com uma longa cantoria que fala de Alah… Ehheeh ..ala…schrunk Ala hala..adslfj irshch hala…… e por aí vai… só escutando mesmo para entender o que quero dizer. É interessante, é diferente, nos primeiros dias em Istambul fiquei fascinada com essa maneira deles chamarem o povo para mesquita. Só que naquela hora eu só queria dormir!
O problema é que os muçulmanos que tomam sua religião mais a sério rezam 5 vezes ao dia…. Então você fica ouvindo aquilo quase o dia todo. Uma mesquita começa e em 3 minutos começa a outra mais adiante e assim vai. Por uns 7 minutos o país fica em cantoria para Alá.
Papos arqueológicos
Depois de duas horas sem conseguir dormir, desisti. Saímos eu, o Umit e o amigo dele, de barco pelo Dardanelos. Passeamos entre o Egeu e o Mármara. Foi legal. Levamos umas cervejas para o barco e apesar do Barbaros não falar inglês (e eu não falar turco!), o Umit serviu de intérprete e ficamos discursando sobre mitologia grega. Perto de onde estávamos fica a “talvez” antiga cidade de Tróia.
Sozinha numa casa turca
Naquela mesma noite em Çanakkale, o Umit voltou para Istambul porque tinha que trabalhar. Ele é chegadinho em um ônibus e eu, que não sou e queria dar uma descansada, fiquei em Çanakkale. O amigo dele também viajou com outros amigos e largou a chave da casa dele na minha mão. Não acreditei! Nunca me viu antes, mas sabendo que eu era amiga do Umit disse que não tinha problema, que eu podia ficar lá, e blá blá blá… Então fiquei sozinha lá desde aquela noite até o começo da noite do dia seguinte quando, já entediada por não ter o que fazer naquela cidade, resolvi tomar um outro ônibus de volta a Istambul.
Eu queria ir mais para o sul, e visitar Samos, uma ilha grega que fica pertinho de Izmir, cidade turca à beira do mar Egeu. Mas considerando as distâncias, concluí que não teria tempo, pois teria que estar sábado de qualquer jeito em Istambul, já que voltaria domingo para a Suíça e não tinha nenhuma garantia de que iria conseguir um vôo de Izmir para Istambul. Afinal, se nem o telefone o pessoal da Turkish Airlines atende…
Olhares gulosos
Num dos trechos entre Istambul e uma cidade vizinha fazia um calor do cão e arrisquei viajar de bermuda mesmo. Ah! No ônibus, cheio de mulheres com as cabeças cobertas e homens de olhares gulosos, todo mundo ficou me olhando como se eu tivesse chegado de Marte. Isso foi em tudo que é lugar, mesmo usando calça comprida. E já que, com calça ou sem ela, iriam me fitar…ah…resolvi que pelo menos eu não iria morrer de calor. Um pouco antes da uma da manhã eu desembarcava em Istambul, na rodoviária do lado asiático, onde Umit viria me buscar.
Quando cheguei, pelo menos dez homens querendo ser gentis me cercaram falando em turco coisas que eu não podia entender. E eu dizia…”English!!!”…”I dont speak Turkish”…”Sprechen Sie Deutsch? French, Français, Spanish???” Então, chamaram um sujeito que falava um inglês sem-vergonha, mas com quem eu pude me comunicar: “How can I help you?” perguntou. “You cant help me…I dont need any help… não pedi ajuda alguma” respondi, “não sei o que esse pessoal está falando”. Aí ele perguntou, “Para onde você vai?”, e eu disse, “Pra canto nenhum, acabei de chegar e vou ficar aqui esperando meu amigo”. “E onde está seu amigo”… “Sei lá, como é que vou saber, estou descendo do ônibus agora”… “Posso ver seu bilhete?” … “Pois não”. “Ah, você veio pela Truva (nome da empresa de ônibus)”, então pode esperar aqui no escritório da Truva. Então liguei para o Umit e ele foi me buscar.
Enquanto esperava meu amigo, os homens do escritório estavam todos assanhados para conversar comigo. “How from?”…..mesmo com aquele inglês errado deles pude entender que ele perguntava de onde eu era. “Brasil”, respondi.” Ah…Brasilia… Brasilian… Ronaldinho… café good…”…e o sujeito com cara de tarado com um sorriso de uma orelha a outra, esperando que eu desse atenção.
Istambul
Eu gostei mesmo foi de Istambul. O recenseamento na Turquia também não funciona, mas estima-se que Istambul tenha entre 12.000.000 a 15.000.000 de habitantes… É uma cidade bem grande e tem várias faces. Bairros bonitos e bairros feios. Alguns lugares populares me lembraram São Paulo. Vendem de tudo! Muita coisa estendida no chão, a maior parte badulaques vagabundos. Andar pelo bairro de Eminonu é como andar pela São Bento ou pelo Anhangabaú em São Paulo, só que com um mar do lado. E tem gente pescando…
As mesquitas de Istambul
As mesquitas são peladas internamente. Não são como as igrejas que têm um altar, esculturas, cadeiras para sentar, santos ou obras de arte. Todas as mesquitas são forradas por tapetes gigantescos, e a frente das mesquitas é sempre voltada para a cidade de Meca, para onde os muçulmanos devem fazer uma peregrinação pelo menos uma vez na vida.
Para se entrar em uma mesquita (pelo menos em sinal de respeito a crença islâmica) os homens devem cobrir as pernas e, as mulheres, não só as pernas, mas também os braços e a cabeça, com um lenço. Claro que cumpri todo o ritual! Pedi à irmã do Umit, a Hatice (que se lê Ratídgie) que é muçulmana roxa, e que me acompanhou até a mesquita, que tirasse uma foto minha. Todos, homens e mulheres, temos que ficar descalços para entrar na mesquita.
Homens têm a parte maior do espaço interno da mesquita. E rezam fazendo aquela ginástica toda que vocês provavelmente já conhecem. Levantam, agacham-se, curvam-se… Há um lugar separado e reservado apenas para as mulheres rezarem. Elas carregam um colar de contas (como se fosse um terço) e rezam de maneira curiosa para os ocidentais, balançando o corpo, sentadas, e às vezes soliloquiando baixinho e olhando para os lados como se não estivessem concentradas. Talvez não estivessem mesmo. Afinal, têm que rezar 5 vezes ao dia. Ambos, homens e mulheres têm que ir à mesquita às sextas-feiras.
Passeando por Istambul
A semana toda fez sol. Apesar do calor de 30 graus, a Hatice estava, como era seu costume, vestida com um monte de roupas, mantinha a cabeça coberta com um lenço grande e usava meias…
Andamos um dia e meio por Istambul e ela me mostrou coisas que turista nenhum vê. Nós duas juntas estavamos, sem dúvida, chamando mais atenção do que se eu estivesse sozinha, já que, com o calor que fazia e sentindo que o conservadorismo geral podia tolerar minha cultura ocidental, me recusei a me cobrir toda.
No primeiro dia, coloquei um vestido comportado, claro, abaixo do joelho, mas sem mangas, de alcinha. Para entrar na mesquita levei um cardigan e uma écharpe. Quando vesti o casaco por cima do vestido e coloquei o lenço na cabeça, não poderia estar mais horrível. Turkish fashion! No segundo dia resolvi colocar uma calça para destoar menos da minha amiga…. Mesmo assim todo mundo olhava para nós quando percebia que estávamos juntas. Era o “contraste”, em forma de gente, caminhando pelas ruas de Istambul, mas também era um feliz entendimento da cultura ocidental com a do Próximo Oriente.
Hatice teve a sorte de passar um mês fora da Turquia por causa de um trabalho do marido e me disse que já foi a uma igreja na Inglaterra. Descreveu a decoração da igreja com ar de reprovação, referindo-se às esculturas de santos.
No Mar Negro
No Mar Negro fui à praia, de biquíni, acreditem… todo mundo vai de roupa normal até a praia e há vestiários minúsculos onde as pessoas se trocam. Como sou brasileira, já fui com o biquíni por baixo da roupa. Emboras as turcas mais ocidentalizadas usem biquíni, isso não é hábito da maioria.
A praia não era bonita “at all”… mas o imenso Mar Negro estava a minha frente, e fiquei feliz por estar lá. A água é fria como no mar Egeu, na Grécia, ou como o Atlântico no Guarujá. Digo isso porque no Caribe as águas são mais mornas.
Visitando uma ilha relax
No último dia, antes de voltar à Europa, fui visitar uma ilha, onde ao invés de areia há pedras, como em boa parte das praias na Grécia. Bem bonitinha a ilha. A maior parte dos habitantes era formada por judeus e gregos. O pessoal por lá me pareceu mais “relaxed”… todo mundo queimado de sol, mais pelado…uma delícia! Essa ilha fica no mar de Mármara.
A comida na Turquia não é ruim. Comi o “Donar”, um tipo de shishe kebab (existem 3 diferentes de kebabs, churrasquinhos de carneiro.), uma delícia, lula frita (como no Brasil) e mariscos que preparam de duas maneiras: à dorê ou com arroz.
Impressões, os costumes turcos
Apesar de Istambul ficar junto ao mar, não se vê um só homem de bermuda e camiseta. Mesmo no verão, todo mundo só veste calça e camisa. Além das mesquitas o que mais se vê em Istambul são lava-pés, já que antes de entrar em uma mesquita tem que se tirar os sapatos.
Também há algumas bicas de água espalhadas pela cidade, com uma canequinha de cobre amarrada a uma corrente. Todo mundo utiliza a mesma caneca. Disgusting!
Apesar de amigáveis e simpáticos, estão longe de serem realmente cavalheiros. Também não preciso nem dizer o quanto são machistas. A maior parte do tempo que passei por lá estava acompanhada do Umit, de um amigo finlandês ou da Hatice. Não me assusto facilmente com assédios mas, quando circulei sozinha, preferi não flanar: andava depressa e fechava a cara… Diria que não é recomendável uma mulher sair sozinha à noite na Turquia.
Meu amigo Umit é engraçado, super atencioso e muito mais cabeça aberta que o típico muçulmano. Apesar de se dizer muçulmano não vai nunca às mesquitas e concorda que a religião é um atraso no país, mas ainda assim é um pouquinho machista.
Um fiel muçulmano só pode tocar a própria mulher. Na casa da Hatice, eu inocentemente estendi a mão para o Ramasã, marido dela, na hora de dizer “tchau” e ele se recusou a apertar minha mão, sorrindo e pedindo minha compreensão.
Apesar de ser um país ocidentalizado, os valores islâmicos ainda são fortes. Percebi isso quando visitei o Palácio Topkapi (veja o texto sobre Istambul onde são venerados além da espada de Maomé, seus fios de cabelo de Maomé, pelos de sua barba., o molde de seu pé em bronze, etc… Ninguém pode garantir que aqueles pelos todos tenham sido realmente dele…
De modo geral a população, inclusive a clásse média, não costuma viajar para o exterior e não é muito informada. Mesmo uma amiga minha turca, com mestrado em Administração, não sabe nada sobre outros países. E não está nem aí com isso!
A Turquia me lembrou o Brasil de 15 anos atrás, quando ainda se bebia apenas certas marcas de vinhos nacionais tidas como melhores, por não ter acesso a produtos importados, achando que eram bons vinhos.
Quanto a todas as recomendações que tive em relação a roupas, a não sair à noite e a não tentar comprar nada sozinha, o Umit me falou que valem para o lado leste da Turquia, depois de Ankara. Em Istambul, por ser uma cidade mais ocidentalizada, não precisamos ter tanta preocupação.
Apesar de meus comentários e algumas críticas que faço aqui, tenho que reconhecer que Istambul é uma cidade bonita, muito exótica por conta das inúmeras mesquitas, com um certo mistério no ar…em suma, fascinante! Posso dizer também que, entre todas as viagens que fiz até hoje, esta para a Turquia foi a que mais gostei, a mais diferente e com a qual eu mais aprendi. Estou de volta à Suiça, sã e salva sob a proteção de Alá, mas sob a mesma proteção, eu inda hei de voltar lá.
Minhas dicas
– A maneira mais agradável de circular por Istambul é o barco-ônibus. Claro que só no estreito de Bósforo. Pode ser divertido também passear a pé. Para distâncias maiores entre um bairro e outro há lotações no estilo das que existem em São Paulo. Os ônibus, sempre cheios, são desaconselháveis. Os táxis são relativamente baratos. Combine o preço antes.
– Se você é mulher: saia com amigos ou, se estiver só com seu marido ou namorado, ande em grupo. Quando percebem que você é estrangeira, o pessoal olha, mexe e pode te abordar. Aí tem que ter jogo de cintura para se livrar do assédio..: De dia os problemas são menores, afinal há policiais por toda parte. Qualquer coisa é só ameçar chamar a polícia.
– Outra recomendação às mulheres: não use grandes decotes, blusas de alcinha ou saias curtas, sobretudo para sair à noite. A lei é: não provoque que o bicho pega… Deixe para ser sexy nos países ocidentais!
– Se você resolver ir a praia na Turquia, pode ir de biquíni… Mas não exagere: nada de fio dental!