Dos Vedas ao hinduísmo atual
(trecho do livro “A Vaca na Estrada”)
Os Vedas
Na época dos Vedas, a religião hindu já apresentava características totêmicas e animistas, com variados deuses, como Varuna, deus da ordem universal, Indra, da força, Pittar, deus-pai, e Priviti, deus-mãe, além de deuses como Agni, do fogo, que exigia sacrifícios. Os arianos, também trouxeram ou desenvolveram o sistema de castas e, através dele, a religião – o Vedismo -, impondo sua dominação (século VII antes de Cristo).
O Bramanismo
Bramanismo por sua vez, surgiu como uma evolução do Vedismo, acrescentando novos textos sagrados, os quais constituem hoje parte do grande acervo filosófico que conhecemos como hinduísmo: os Brâmanes e os Upanichades, entre 800 e 600 aC. Mais tarde, o hinduísmo se consolidou com novas obras, como o Puranas, o Mahabharata, nos séculos II e III aC, o Romaiana, contando a vida do deus Rama, o Bhagat Gita, o canto do bem-aventurado, mostrando a vida de Krishna e que inspirou, muito mais tarde, o filósofo e político Mohendas Gandhi – o Mahatma ou “grande alma” – pai espiritual da independência da Índia.
A ideia da salvação
Nessa evolução, do Vedismo ao hinduísmo, podemos caracterizar uma transformação na idéia da salvação. Se no Vedismo primitivo a salvação viria pelas obras do homem na terra, no Bramanismo a salvação viria pelo conhecimento, enquanto no Hinduísmo atual, pela fé e pelo amor a Krishna, encarnação de Vishnu. O curioso é a semelhança de muitos traços de Krishna com Jesus. Krishna nasceu também num estábulo. Como Cristo, sofreu perseguições de um rei cruel, que teria mandado assassinar milhares de crianças, numa tentativa de matar o recém nascido, que foi salvo por acaso, tornando-se pastor. Mais tarde ele impressiona os brâmanes do templo com seus conhecimentos e se dedica a pregar a resignação, o desinteresse e a bondade. Apenas um traço o difere profundamente de Jesus: Krishna possuía seis mil amantes, as Lakmis, que o rodeavam permanentemente, idolatrando-o . Além disso, Krishna, segundo as lendas, demonstrava traços de humor que seriam incompatíveis ao Cristianismo.
Cerimonial em Templo Hinduísta
O Hinduísmo, uma religião complexa
Simplificando, temos três deuses principais: Brahma, o criador; Shiva, o que destrói para renovar (espécie de força dinâmica do universo); e Vishnu, o conservador, responsável pelo equilíbrio universal. O Hinduísmo apresenta dois aspectos: um lado totêmico, idólatra, primitivo; um outro, filosoficamente elevado. O primeiro é o Hinduísmo das grandes massas, ritualístico. Os templos, nesse caso, são lugares de oferendas – flores, arroz, pós coloridos e inúmeras imagens de deuses de aspectos variados, divindades autônomas ou encarnações – atavares – de Shiva, Vishnu ou Brahma. Há o deus-macaco Hanuman; Ganesh, o deus-elefante; diversas divindades representadas às vezes por vários braços, e toda uma infinidade de deuses.
Os avatares
No Hinduísmo, o mesmo deus apresenta os mais diversos aspectos. A terrível Kali, a sangrenta, para a qual são hoje realizados sacrifícios de animais e antigamente o de seres humanos, é um aspecto de Partavi – esposa de Shiva – que, em outros rituais, apresenta características totalmente diversas. Além disso, existem deuses para as diferentes manifestações da natureza, para as doenças, deusas da fertilidade, da sorte, dos rios, (esta, representada pela tartaruga); Garuda, o deus-passáro, inimigo das serpentes; Kanka, aspecto feroz de Shiva; Rama, encarnação de Vishnu; etc. Nas figurações de certos deuses aparecem atributos que facilitam seu reconhecimento: objetos ou animais, como o cisne, o tridente, o cetro, a adaga, a pele do tigre, a flauta e outros. Cada divindade toma nomes diferentes segundo sua posição e os atributos de que é dotada. Por isso, com freqüência, o reconhecimento de uma estátua ou pintura representando uma divindade não está ao alcance de um leigo.
O curioso no Hinduísmo é a ausência de um fundador, de profetas
É uma religião que veio da fusão dos arianos com os primitivos habitantes do vale Indo. Surgiu das lendas populares, do pensamento da alguns filósofos, de preceitos espalhados em diferentes textos sagrados. Não apresenta profetas salvadores, nem tabulas de leis, cujo respeito garantiria um lugar no paraíso. O inferno não existe para o hindu, como não existem missas, liturgias religiosas ou chefes supremos. O templo hindu é um alegre festival. O praticante pode ir orar para o deus de sua preferência, levar oferendas, cochilar, conversar com um amigo, meditar, etc.
Os brâmanes
Há, porém, um outro hinduísmo, de elite, dos grandes filósofos, dos sábios brâmanes, dos pensadores. Nenhuma outra religião apresenta um fosso tão grande e marcante entre o popular e o elitista. O Hinduísmo dos templos, da parafernália, dos deuses animais sagrados é um pouco visto pelos grandes filósofos hindus como uma representação para a compreensão das massas. Essas representações seriam os vários aspectos da vida que se confundem com o divino. Para os verdadeiros sábios hindus, existe um só Deus supremo; criador e criatura se confundem; o Deus supremo faz parte de suas manifestações. Deus está na vida, nas águas, no sopro do vento, nos astros, nos animais; Deus é a própria criação.
A ideia do Karma
A própria existência humana é um elo de uma cadeia evolutiva, e nosso nascimento faz parte do ciclo de existências anteriores, sendo o Karma a somatória das diversas encarnações pelas quais passamos, o saldo do bem e do mal por nós praticados durante essas existências anteriores. O conceito de reencarnação, tão caro ao Hinduísmo, infelizmente fornece a justificação moral e religiosa para as mais terríveis segregações e desigualdades, uma vez que está intimamente ligada ao sistema de castas. Se o corpo, em suas diferentes encarnações, é a viagem de uma alma pela existência terrena, cada existência é o único caminho para o aperfeiçoamento espiritual rumo à união cósmica.
O conceito de casta
Assim sendo, um indivíduo, nascendo numa casta superior, estaria apenas sendo recompensado por suas virtudes em vidas anteriores. Da mesma forma, os nascidos párias ou em castas inferiores estariam sendo punidos por seus atos em existências passadas. Esse conceito foi, desde o início do Hinduísmo, utilizado pela elite dominante de origem ariana, os brânames, para a manutenção de sua supremacia sobre os escravos e as massas miseráveis, de pele escura. Em outras palavras, se alguém está passando privações ou sendo barbaramente explorado em sua existência atual, estaria apenas pagando por seus pecados em uma encarnação anterior. No Cristianismo, promete-se o céu aos explorados; no Hinduísmo, uma nova vida terrena mais confortável.
A reencarnação no hinduísmo
A reencarnação, através do sistema de castas, tornou-se a melhor justificativa ideológica para a exploração do homem pelo homem, retirando ao ser humano qualquer veleidade de mudança ou melhoria, uma vez que nas castas a sociedade é dividida em compartimentos fechados. O indivíduo nasce numa casta, casa quase invariavelmente com alguém de sua casta, exerce as mesmas profissões herdades de seus antepassados, e morre dentro de sua casta. Esse sistema é tão importante para se compreender a Índia e o Hinduísmo, que voltaremos, mais para a frente, a falar do assunto.
Dicas
Para saber mais sobre costumes, religião, história cultura da Índia, leia A Vaca na Estrada.
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